segunda-feira, 3 de abril de 2017

CRÍTICA: A DIFÍCIL MISSÃO DO NOVO "LES MISÉRABLES" EM SUBSTITUIR "WICKED"

Crédito da foto: Marco Mesquita.
A nova montagem da Broadway em São Paulo, “Les Misérables”, que está em cartaz no Teatro Renault, pela Time4Fun - empresa que se consolidou nos últimos anos como uma das principais responsáveis por produções de teatro musical no Brasil, tais como, “Wicked” (um fenômeno que conquistou fãs), “Mudança de Hábito”, “Mamma Mia!” e “Rei Leão” -, não surpreende tanto o público. Vale lembrar que a versão original desse musical, traduzido como “Os Miseráveis”, abriu há 16 anos o Teatro Renault (na época chamado de Teatro Abril) para o segmento em São Paulo, consagrando atores como Marcos Tumura (Jean Valjean), Alessandra Maestrini (Fantine), Saulo Vasconcelos (Javert), Sara Sarres (Cosette), Adriano Oliveira (Thernadie), Frederico Silveira (Marius), Ester Elias (Eponine), Leonardo Luiz (Enjolras) e Andrezza Massei (que também está na atual montagem com a personagem Madame Thenardier). 

A atual montagem apresenta bons momentos, mas carece da técnica dos musicais anteriores produzidos no Brasil, que pouco deixaram a desejar na comparação com os musicais de Nova Iorque (EUA). O novo “Les Misérables” é uma releitura moderna do tradicional musical de Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg, que já venceu mais de 125 prêmios, além de ter sido montado em 44 países, visto por mais de 70 milhões de pessoas e traduzido para 22 línguas. Esta montagem repaginada, lançada em 2010, em Londres, deu origem a uma consagrada e premiada versão nos cinemas em 2012. É uma versão diferente do que já foi apresentado no Brasil, em 2001. Vale ressaltar também que a megaprodução é repleta de efeitos especiais, cenários luxuosos e figurinos impressionantes, mas não vou tratar disso nesta publicação. 

O início de um grande musical é muito importante para o tônus dos atores e para transmitir ao público o contexto da peça. Neste caso, a primeira cena do musical não acerta o tom de força necessário. Assim que os atores cantam sua parte, antes do personagem Jean Valjean ter o seu solo, mais uma vez a falta de tônus. Os atores estão preocupados em acertar as notas, mas esquecem da intenção para as ações de seus personagens, prejudicando o universo necessário para a montagem. Essa é a mesma falta de emoção sentida em um dos pontos mais altos do musical: a batalha sangrenta.

O ator espanhol Daniel Diges, trazido ao Brasil para interpretar o protagonista Jean Valjean, possui boa compreensão da personagem aliado a entrega necessária para o papel. O problema aqui é a pronúncia. Por vezes, no decorrer do musical, não é possível compreender o que o ator canta em português. O sotaque espanhol rouba a cena e tira a atenção do público, que cochicha baixinho até se adaptar com a situação. Daniel consegue passar a mensagem, até porque já interpretou o mesmo personagem na montagem da Espanha. Porém, é o caso para pensar se não haveria um ator a altura no Brasil, que pudesse trazer a força de Jean Valjean, tão bem feita por Marcos Tumura na primeira montagem de “Os Miseráveis” (2001) no País.

Relembre: Os quatro melhores musicais que passaram pelo Brasil.

Em compensação a atriz Andrezza Massei brilha em cena, como sempre faz em seus papeis. Andrezza dá vida a Madame Thenardier e passa toda a confiança necessária para a personagem e consegue mexer com o público desde os primeiros segundos. É possível acreditar na situação e embarcar na história com entusiasmo. A afinação e notas sempre precisas da atriz também são importantes a se destacar.O público se encanta e os aplausos só reforçam o talento inquestionável dessa grande atriz. Ivan Parente consegue acompanhar Andrezza e faz uma ótima atuação como Thenardier neste núcleo do familiar alívio cômico da história desse musical.   

Reprodução Instagram. Na foto: Ivan Parente e Andrezza Massei.
No entanto, a primeira cena em que é possível sentir o peso dramático do musical, esquecer que se tratar de uma peça de teatro e se sentir transportado para aquela realidade é a cena das prostitutas com a personagem Fantine, interpretada na medida certa por Kacau Gomes. A difícil canção e talvez uma das mais famosas músicas desse musical, “I Dreamed a Dream” (Eu Tive Um Sonho), é cantada com exatidão e leva às lágrimas parte dos expectadores. 

Vale ressaltar que Nando Pradho pode estar dando vida a um dos melhores Javert de todas as montagens já realizadas. O ator mostra um trabalho maduro com excelência no canto, nas intenções, emoções e trabalho corporal. É difícil afirmar qual o seu melhor momento, por ter uma interpretação incrível durante todo o musical, mesmo assim me arrisco: destaco a "dor" sentida por Javert durante a cena de seu suicídio.

Já a interpretação de Laura Lobo como Eponine foi boa, mas longe da arrepiante performance da atriz Nikki M. James na montagem Broadway, em 2014. O mesmo com o ator Filipe Bragança, que faz o Marius, neste caso a interpretação está boa, mas o canto ainda não está seguro. Em compensação Clara Verdier, que interpreta Cosette, está na medida certa, do canto a interpretação.

Compare os vídeos da música "One Day More", adaptado em português como "Só Mais Um". O brasileiro foi gravado na coletiva de imprensa pelo portal "Cena Musical" e o segundo vídeo é o da montagem da Broadway de 2014, em uma apresentação feita no aclamado "Tony Awards":

Brasil (2017):


Broadway (2014):

Chamou a atenção: Surpreendentemente o musical fugiu do padrão e não entregou aos espectadores o tradicional programa do espetáculo (também conhecido como PlayBill), onde traz informações sobre a montagem, produção, fotos e atores. Uma pena.

ATUALIZAÇÃO: O musical passou a distribuir o famoso encarte. 

Um comentário:

Andre disse...

Perfeita a crítica acerca de Daniel Diges. Embora o ator demonstre segurança no canto, até mesmo por já ter participado de uma montagem do espetáculo, sua dicção prejudica totalmente a compreensão das músicas e torna cansativo o trabalho de tentar entendê-lo.